Andre Tosi Furtado* h5j6d
SUMARIO
A Petrobrs assumiu uma posio de liderana internacional na produo de petrleo e gs natural offshore em guas profundas, a partir de uma trajetria tecnolgica apoiada em uma seqncia de inovaes incrementais, que prpria de empresas inovadoras de pases perifricos semi-industrializados. Essa empresa optou, na busca de solues para o desenvolvimento de sistemas de produo em guas profundas, por introduzir melhoramentos sobre uma base tcnica que j operava: os Sistemas de Produo Flutuantes (SPF). Ao o que as empresas e instituies lderes da indstria internacional buscaram desenvolver sistemas completamente novos para encarar esse desafio. A evoluo do ambiente de seleo das tecnologias nessa indstria, caraterizado pela queda dos preos do petrleo aps o contra-choque de 1986, levou a que as solues voltadas para a reduo de custos se tornassem vencedoras. A nova trajetria tecnolgica dominante na indstria acabou convergindo com aquela de natureza essencialmente incremental adotada pela empresa brasileira. |
RESUMEN
Petrobrs asumi una posicin de liderazgo internacional en la produccin "offshore" (Costa afuera) de Petrleo y Gas en aguas profundas, a partir de una trayectoria tecnolgica apoyada en una serie de innovaciones progresivas que son propias de empresas innovadoras de pases perifricos semi-industrializados. Esta empresa opt, en la bsqueda de soluciones para el desarrollo de sistemas de produccin en aguas profundas, por introducir mejoras en una base tcnica que ya estaba operando los Sistemas de Produccin Flotantes (SPF). AI tiempo que las empresas e instituciones lderes de la industria internacional trataron de desarrollar sistemas completamente nuevos para encarar este desafo. La evolucin del ambiente para seleccionar las tecnologas en esta industria, caracterizado por la cada de los precios del Petrleo despus del contra-golpe de 1986, condujo a que las soluciones rechazadas para reduccin de costos se convirtiesen en vencedoras. La nueva trayectoria tecnolgica dominante en la industria termin coincidiendo con aquella de naturaleza esencialmente progresiva adoptada por la empresa Brasilea. |
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Os pases perifricos costumam absorver de fontes externas grande parte da nova tecnologia que utilizam em seus processos produtivos, principalmente quando esta de ponta e requer um certo grau de performance. Entretanto, mesmo que assumam uma posio de receptores de novas tecnologias, um grupo importante de empresas de mdio e grande porte realiza um significativo esforo tecnolgico. Esse esforo volta-se, principalmente, para um determinado tipo de inovao, de natureza incremental, que se destina adaptao e introduo de melhoramentos em processos ou produtos existentes. As inovaes so introduzidas preferencialmente sobre bases tcnicas j maduras conformando um certo tipo de trajetria tecnolgica, especfica a esses pases. A trajetria tecnolgica das empresas, apoiada em inovaes incrementais, pode levar a uma posio comercial competitiva, mas dificilmente ocorre o mesmo no plano da inovao, quanto mais na fronteira tecnolgica (Katz, 1976; Lall, 1982; Fransman, 1986).
Este trabalho, baseando-se no estudo de caso da produo brasileira de petrleo offshore, trata de mostrar que uma empresa de grande porte pertencente a um pas perifrico pode posicionar-se na fronteira tecnolgica, mesmo que tenha uma trajetria tecnolgica centrada em inovaes incrementais. Existe maiores condies para que isto ocorra no contexto de certos setores que apresentam menores desnveis enquanto a capacidade de inovao entre empresas dos pases centrais e da periferia. A Petrobrs talvez seja uma das melhores ilustrao dessa tese. Essa empresa logrou alcanar uma posio de liderana em escala internacional na produo de petrleo offshore a grandes profundidades. A altura da lamina dgua na qual se produz petrleo e gs natural representa uma importante fronteira tecnolgica para essa indstria. Alguns pases desenvolvidos com grandes indstrias de petrleo offshore (grandes companhias e fornecedores) disputam a liderana nessa rea, fundamentalmente os Estados-Unidos e os pases europeus que operam no Mar do Norte (Reino Unido, Noruega e Frana). A presena da estatal brasileira nesse campo representa certamente uma destacvel exceo.
Esse estudo de caso serve para aprofundar a reflexo em duas importantes temticas relacionadas com a dinmica tecnolgica. Em primeiro lugar, de que forma as tecnologias organizadas em sistemas competem entre si e quais so os fatores que influem sobre esse processo. Em segundo lugar, como se comportam especificamente as trajetrias tecnolgicas em pases perifricos e quais so as condies para que as empresas inovadoras desses pases alcanassem a fronteira tecnolgica. Os dois prximos captulos deste artigo esto destinados a introduzir essa discusso. No quarto captulo, apresenta-se especificamente a problemtica da indstria do petrleo offshore. Realiza-se uma rpida descrio da importncia que o offshore profundo tem para o futuro dessa indstria e faz-se uma apresentao dos principais sistemas tecnolgicos em competio nessa rea, destacando a liderana adquirida pelo sistema desenvolvido pela Petrobrs. Em seguida, num quinto captulo, analisa-se a trajetria tecnolgica dessa empresa, ressaltando as principais etapas que ela percorreu at alcanar sua posio de destaque atual. Na concluso, elabora-se uma reflexo sobre os fatores determinantes que permitiram o sucesso dessa trajetria tecnolgica apoiada em inovaes incrementais.
A mudana tcnica no ocorre ao acaso ou est exogenamente determinada. Ela faz parte plenamente da mudana econmica. As organizaes produtivas so tambm organizaes que aprendem. Nesse sentido, a mudana tcnica est associada experincia dos agentes econmicos, o que a torna um processo especfico s circunstncias e localizado. A sucesso de sucessos e fracassos determina a maneira pela qual os agentes realizam o processo de aprendizagem. Por essa razo, trata-se de um processo cumulativo. Essa cumulatividade tambm garante, em determinadas seqncias, rendimentos crescentes de aprendizagem.
Portanto, os agentes que utilizam e transformam as tecnologias seguem certos padres evolutivos. Esses padres evolutivos so chamados de trajetrias tecnolgicas. Esta definida como o conjunto de caractersticas evolucionrias e cumulativas que condicionam o desenvolvimento e as mudanas experimentadas por tecnologias quando se difundem e so utilizadas na produo e em servios (OCDE, 1992). Esses padres so definidos por maneiras normais de solucionar problemas dentro do quadro de um certo paradigma tecnolgico (Dosi, 1982).
As trajetrias tecnolgicas possuem caractersticas prprias, como o fato de atravessarem certos estgios evolutivos. No incio de sua evoluo, uma trajetria tecnolgica apresenta um grande espectro de possibilidades. Nesse estgio costumam competir diversos sistemas tecnologicos, cada qual apresentando potenciais para tornar-se dominante. Existem vrios caminhos possveis, cada um deles constitui um determinado conjunto de tecnologias inter-relacionadas entre si.
Entretanto, a medida em que uma trajetria tecnolgica progride, o nmero de sistemas tecnolgicos em competio tende a reduzir-se. Apenas um tende a prevalecer sobre os demais, em virtude dos rendimentos crescentes de adoo (Arthur, 1989). De forma que a tecnologia que se beneficia de uma maior adoo no incio de uma trajetria pode adquirir uma vantagem decisiva sobre as demais. A partir de um certo estgio, mesmo que ela no seja a mais eficiente, ela se torna dominante e as demais so descartadas. Esse processo de estreitamento do raio de opes apenas uma determinada tecnologia chamado de lock in. Portanto segundo essa perspectiva, o impulso inicial que dado a uma determinada tecnologia pode explicar que ela venha a se tornar hegemnica.
O grau de incerteza que existe ex ante sobre a evoluo das diferentes tecnologias em competio implica, como coloca corretamente B. Arthur (1989), em um importante potencial de ineficincia que depender de qual for a tecnologia que vier a vencer. Nesse contexto, algumas variveis podero desempenhar um papel importante para a escolha tecnolgica tais como os interesses econmicos das organizaes envolvidas no processo de inovao, o mercado, os agentes institucionais e as foras polticas.
O lock in em apenas um determinado sistema tecnolgico pode ser considerado como um caso extremo, onde uma tecnologia ganha um avano suficiente para eliminar as demais. Depende, como ressalta corretamente Ruttan (1996), de que os rendimentos crescentes sejam estveis. Entretanto, na maioria dos casos convivem vrios sistemas em competio porque as economias de escala e os ganhos de adoo do sistema tecnolgico lder no so suficientes para possibilitar a evico das demais tecnologias. As possibilidades de escolha tecnolgica se mantm suficientemente diversificadas, mesmo que com o amadurecimento das trajetrias ocorra uma reduo da gama de opes.
A escolha entre sistemas tecnolgicos, tendo em vista o carter localizado do processo de aprendizagem, tornar-se uma competio entre empresas e mesmo entre espaos econmicos, cada qual apostando no desenvolvimento de um determinado sistema tecnolgico. Muitas vezes a competio de tecnologias uma competio entre pases cujos governos apoiam seus grupos empresariais nacionais, atravs de mltiplos mecanismos como o fomento P&D industrial e o financiamento das primeiras sries de produo. Mas as grandes empresas multinacionais, mesmo sem o apoio de seus respectivos governos, estabelecem acirradas competies entre si para fazer prevalecer seu prprio sistema tecnolgico em escala mundial.
Que elementos iro determinar que uma tecnologia seja mais usada do que as demais em sua etapa inicial de desenvolvimento? Existem fatores determinantes que so, pelo lado da oferta, o potencial de desenvolvimento de uma determinada tecnologia. Esse potencial est relacionado s expectativas que as empresas tm do retorno de seus investimentos em inovao, as quais esto condicionadas, a sua vez, pelas oportunidades tecnolgicas e pelo grau de apropriabilidade da tecnologia (Nelson, 1988). As oportunidades tecnolgicas so dificilmente previsveis com preciso, dado o grande grau de incerteza que caracteriza a atividade de busca tecnolgica. Entretanto, esses fatores no so suficientes para dar conta da evoluo tecnolgica.
Pelo lado da demanda, existem outros elementos de ordem econmica que podem ter reflexos sobre essa escolha tais como o tamanho do mercado, a influncia sobre os demais mercados e as oportunidades produtivas (o a preo favorvel a determinados insumos). O ambiente de seleo das tecnologias tem tambm uma grande importncia para o desfecho da competio tecnolgica. Esse ambiente incorpora a influncia de fatores poltico-institucionais. A rea energtica constitui uma importante ilustrao da importncia que os fatores poltico-institucionais tm para a competio tecnolgica. Nessa rea, onde as tecnologias usadas tm grande repercusso sobre o meio-ambiente, a mobilizao da populao dos pases desenvolvidos contra as ameaas da tecnologia nuclear de gerao eltrica frustou as apostas que os governos desses pases e grandes grupos empresariais haviam feito nesse sistema tecnolgico.
Em sntese, uma grande variedade de fatores, que atuam no incio de uma determinada trajetria tecnolgica, podem induzir a adoo de um dado sistema tecnolgico mais do que outro. Esses fatores tm uma influncia muito duradoura. Eles so muito variados e dependem do contexto especfico em que ocorre essa etapa de constituio de uma tecnologia. No caso que iremos analisar, veremos que a baixa do preo do petrleo no mercado mundial desde meados da dcada de 80 modificou fortemente o ambiente de seleo das tecnologias de produo favorecendo a adoo de inovaes poupadoras de custo.